quarta-feira, 6 de julho de 2011

Pedido de Suspensão de Liminar n. 2011.049195-1, da Capital - Na íntegra


Pedido de Suspensão de Liminar n. 2011.049195-1, da Capital
Requerente : Estado de Santa Catarina
Procurador : Dr. Eduardo Zanatta Brandeburgo (19579/SC)
Requerido : Sindicato dos Trabalhadores em Educação na Rede Pública do Ensino
do Estado de Santa Catarina SINTE
Advogado : Dr. José Sérgio da Silva Cristóvam (16298/SC)
Interessadas : Fundação Catarinense de Educação Especial - FCEE e outro
Relator: Des. Gaspar Rubik

 DECISÃO MONOCRÁTICA

O Estado de Santa Catarina requer, forte na disposição do artigo 4º da Lei n. 8.437/1992, a suspensão dos efeitos da decisão do MM. Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, que concedeu em parte a antecipação dos efeitos da tutela nos autos da ação declaratória de rito ordinário n. 023.11.032304-4, que lhe promove o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina - SINTE/SC, determinando-lhe o pagamento dos vencimentos dos servidores em greve sem os descontos decorrentes do movimento grevista, bem como, se necessário, que seja "providenciada folha suplementar, a qual deverá estar concluída em até três dias, inclusive para depósito em conta corrente no dia seguinte, se já alcançada a data em que ordinariamente se fazem os pagamentos do magistério público" (fl. 247). Argumenta que o decisum vergastado é nulo, porque proferido por Juízo incompetente, já que "a questão de desconto de dias não trabalhados é de competência exclusiva do E. Tribunal de Justiça" (fl. 31), bem como acarreta grave lesão à ordem pública, pois "caso não seja imediatamente permitido o desconto dos vencimentos, nada impede que no futuro seja deflagrada nova greve sob o argumento de que só haverá reposição de aulas com novos aumentos salariais" (fl. 26), sendo o desconto salarial dos professores grevistas, segundo afirma, necessário para garantir a reposição das aulas. Aduz, também, que a lesão seria decorrente do fato de que "caso a greve não seja imediatamente cessada, não será possível cumprir o calendário acadêmico e, ainda mais grave, não haverá tempo hábil para respeitar os dias letivos mínimos previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei n. 9.394/1996)" (fls. 17/18).
Alega, ainda, o requerente que "não sendo permitido o desconto, o Estado poderá contar apenas com a boa vontade do SINTE para a reposição das aulas, pois não terá caixa para pagar a reposição (conforme documento da Secretaria da Administração ao final juntado o valor hoje atinge mais de quarenta e quatro milhões de reais)" (fl. 26), o que representaria grave lesão à economia pública, pois os serviços não estariam sendo prestados.
Acrescenta que há a possibilidade de ocorrência de efeito multiplicador, pois a decisão atacada "além de aumentar o clamor para a continuidade de um movimento sem causa, abre precedente perigoso para outras categorias de servidores públicos que certamente serão incentivados a cruzarem os braços, pois de antemão terão ciência que poderão receber por dias não trabalhados" (fls. 20/21).
Por fim, sustenta que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MI nº 708 (Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe de 31.10.2008), teria afirmado que, durante a realização de movimentos grevistas, os servidores públicos não deveriam receber salários pelos dias não trabalhados, pois, nos termos do art. 7º da Lei nº 7.783/89, durante a greve ocorreria a suspensão do contrato de trabalho.
Posta, assim, de forma extremamente sumária a questão, posiciono-me.
O pedido formulado, que fulcra-se exclusivamente na alegativa de grave lesão à ordem e à economia públicas, não há como ser deferido, quer porque não demonstrou o requerente e não há como se vislumbrar a possível ocorrência de qualquer das situações mencionadas, quer porque guarda o pleito nítido cunho residual de recurso, quando a orientação dos Tribunais Superiores está em que a via da suspensão não é sucedâneo recursal (cf. SL n° 14, Rel. Min. Maurício Correa, DJ 03.10.2003; e SL n° 80 , Rel. Nelson Jobim , DJ 19.10.2005).
Com efeito, pois, como é por demais consabido, o art. 4º da Lei n. 8.437/92 autoriza o deferimento do pedido de suspensão nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes tão-somente quando comprovada lesão grave à ordem, saúde, segurança e/ou economia públicas advinda da decisão objurgada, pois fora disto estar-se-ia ampliando e admitindo nesta via excepcional o exame de questões inerentes ao mérito da ação originária, a serem dirimidas quando do seu julgamento.
Nada obstante, tem o Supremo Tribunal Federal entendido, em casos excepcionais, com base nas diretrizes normativas que disciplinam as medidas de contracautela, não ser vedado proferir um juízo mínimo de delibação a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal, caracterizado pela probabilidade de a decisão da qual se pede a suspensão ser contrária às normas existentes na ordem jurídica. Nesse sentido: SS nº 846-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 29.5.96; e SS nº 1.272-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 18.5.2001).
Na espécie, porém, em juízo de razoabilidade do direito invocado, não vislumbro a alegada lesão grave à ordem e à economia públicas.
Primeiro, porque o próprio magistrado a quo, revelando extrema prudência, concedeu, de certa forma, essa contracautela ou moratória, quando postergou a apreciação da liminar para o dia 28 de junho, por ter a imprensa noticiado que "o Governador relatou que em poucos dias seria possível corrigir a folha de pagamentos que tenha glosas. Decisão que venha pouco à frente pode ser ainda útil. Há, de todo modo, um risco que é inato a quem participa de greve" (fl. 237).
Quanto à ventilada lesão à economia pública, não se pode olvidar que os valores referentes aos salários dos servidores grevistas já estão consignados no orçamento anual do requerente. A antecipação da tutela requerida, para pagamento aos grevistas dos valores que já vinham percebendo anteriormente, sem desconto pelos dias parados, portanto, não implicará dispêndio de verba extraordinária, não disponível e não prevista na lei orçamentária, até porque em nenhum momento se acenou sobre a necessidade de contratação temporária de professores, circunstância que poderia, em tese, sustentar alegação específica de dano ao erário.
Não haverá, outrossim, duplicidade de pagamento quando da reposição das aulas, porquanto no recesso escolar ou férias, quando certamente se dará essa reposição, continuar-se-á a lhes pagar o salário que lhes é devido normalmente em outras épocas, além, é claro, dos acréscimos que lhes venham a ser eventualmente concedidos com o movimento paredista, ou seja, a remuneração normal devida fora do tempo de aula.
Há que se considerar, além disso, que, ante a natureza alimentícia da verba salarial, a suspensão do respectivo pagamento é que poderá, como possivelmente já vem ocorrendo ocasionar verdadeiro risco de dano inverso, ou seja, aos servidores, o que, aliás, não escapou à perspicácia do culto magistrado autor da decisão combatida, ao salientar que "se evitará que haja um prejuízo imediato, o qual, mesmo sendo teoricamente passível de recuperação futura, trará consequências muito árduas desde logo. De fato, a privação dos vencimentos conduz a tamanhas restrições que a recomposição posterior não aliviará de forma bastante o sofrimento já havido.
A remuneração do magistério é, para usar de eufemismo, modesta. Há risco à dignidade de tais trabalhadores, que serão postos sob uma coação quase invencível: ou voltam ao serviço, ou ficam privados do mínimo existencial" (fl. 243).
No que tange à ordem pública, a simples alegação de que somente com o desconto salarial dos professores grevistas se possibilitará a reposição das aulas não demonstra, só por si e sem algum adminículo probatório que a referende, qualquer potencialidade de dano capaz de reverter a medida em sede de mero juízo de cognição sumária.
Sim, porque a restituição das aulas é garantida, ainda que por interpretação a contrario sensu, pela própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/1996), quando estabelece, em seu art. 24, I, que "a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver". Assim, deverão ser respeitados a carga horária e o mínimo de dias letivos exigidos pelo respectivo dispositivo legal.
De se salientar, outrossim, que sequer se acenou, de forma a caracterizar em tese grave ofensa à ordem pública, com algum outro ato concreto dos paredistas em tal sentido, além da paralisação das aulas.
Ademais, com relação ao direito constitucional de greve dos servidores públicos, o STF fixou balizas para interpretação dos casos concretos que surgissem após os julgamentos de diversos mandados de injunção, entre estes o MI nº 708 (Rel. Min.Gilmar Mendes, Plenário, DJe de 31.10.2008), invocado pelo requerente.
A ementa do precedente deixa claro que, como regra geral, o movimento grevista induz suspensão de contrato de trabalho. Mas também afirma que pode não ocorrer suspensão, na hipótese de "outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa de suspensão do contrato de trabalho (art. 7º da Lei nº 7.783/1989, in fine)".
Ora, seria inviável, neste juízo breve e sumário, profunda análise sobre a subsunção do caso às denominadas "outras situações excepcionais" constantes da ementa do MI nº 708. Não é possível, portanto, nesta via estreita, descer à cognição das provas e fatos da causa. Ressalta-se, portanto, que não se presta o pedido de suspensão à análise da legalidade e/ou ilegitimidade da referida greve dos professores estaduais. É que, em determinação normativa comum aos diplomas legislativos que disciplinam o regime jurídico de contracautela, "Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes". Ora, nos estreitos limites do instituto, não cabe outra medida ao presidente a não ser a suspensão ou não de determinada decisão. Registre-se, contudo, que o direito de greve dos servidores públicos não é absoluto. Aliás, como é consabido, na Constituição da República não existem direitos de caráter absoluto. Nada impede, pois, se for o caso, que o Estado se utilize da via adequada para pleitear a declaração de ilegitimidade e abusividade da greve. Impende salientar, por fim, que a decisão em causa não está contaminada pelo vício de nulidade, pois, ao contrário do que afirma o requerente, foi proferida por Juiz absolutamente competente. É que a competência originária do Tribunal restringe-se à declaração de ilegitimidade da greve em si, e não sobre a validade do desconto de vencimentos, como na hipótese. Portanto, como bem anotou o douto togado singular, "esta demanda não visa à solução da greve em si, de sorte que o Judiciário, por assim dizer, arbitre o dissídio entre as partes, substituindo a negociação por uma sentença de caráter normativo. Há puramente debate a respeito de assunto funcional: validade de descontos de vencimentos. Isso é da alçada do Juízo de primeiro grau, sem que se cogite de atribuição originária do Tribunal" (fl. 247). Assim, por não vislumbrar, de maneira cristalina, em exame de cognição sumária limitado à analise objetiva dos argumentos expostos e prova trazida pelo requerente, os elementos mínimos necessários para a suspensão da antecipação de tutela que combate ele com o presente instrumento processual, é que INDEFIRO o pedido que formula com tal escopo.
Florianópolis, 6 de julho de 2011.
Gaspar Rubik
1º VICE-PRESIDENTE

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