“A escola pública falha na sua
tarefa básica de alfabetização das crianças das camadas populares, excluindo-as
precocemente de seu interior, através de mecanismos de rejeição que opera
duplamente, pois a escola não aceita a criança como ela é, e a criança não
aceita a escola tal qual ela funciona”. (Maria Helena de Souza Patto)
A discussão sobre a Aprovação
Automática não é nova e sempre foi usada pelos governos como panaceia para
resolver o problema da retenção escolar sem levar em conta as circunstâncias
sociais e históricas envolvidas na questão.
A posição do SINTE/SC sobre o
assunto sempre foi a defesa incondicional da oferta de uma educação de
qualidade que leve em conta o desenvolvimento pleno dos/as alunos/as como
sujeitos de seu tempo e de sua história, bem como, o respeito aos/as
trabalhadores da educação, oferecendo a estes condições dignas de trabalho com
uma jornada adequada, salário e carreira condizentes com sua importância na
sociedade. Neste sentido buscamos resgatar um pouco do que historicamente foi
discutido sobre a Aprovação Automática suas causas e consequências.
Internacionalmente as
políticas educacionais e a questão do fracasso escolar na história da educação,
no correr do século XX, foi matizada pela intensa mobilização política em torno
da organização dos sistemas nacionais e regionais de ensino e da oferta de
vagas nas escolas. No entanto, os sistemas mantiveram aquilo se configurava
como o fracasso escolar, refletido no grande número de reprovações nas séries
iniciais da educação elementar. Neste sentido vários pesquisadores observaram
que o fracasso escolar insidia especialmente sobre um certo grupo social,
constatado pela situação crônica da desigualdade de oportunidades escolares.
“O estudo de Forquin (1995)
baseado nas pesquisas educacionais – “de que os obstáculos ao prosseguimento
dos estudos estão mais especificamente relacionados à origem social e não ao
talento individual e nesse contexto, tem-se expandido a discussão sobre os
déficits culturais que incidem sobre certos grupos sociais, tendo em vista um
currículo escolar que se pauta pelos códigos culturais de uma elite social
erudita, conforme estudou Bourdieu (1999)”.
No caso do Brasil podemos
afirmar que apesar dos investimentos feitos no campo da educação escolar, em
busca da universalização e da democratização do ensino básico, a expansão das
matrículas escolares, as iniciativas de elevação da idade de obrigatoriedade
escolar e a extensão de séries da educação elementar, que vimos acontecer no
correr do século XX – não impediram a permanência do fracasso escolar de uma
representativa camada da população de alunos/as das escolas públicas
brasileiras.
As políticas de não reprovação
ou da promoção automática aparecem, inicialmente, na Primeira República quando,
em 1918, foi publicada a carta aberta de Sampaio Dória intitulada: “Contra o
analphabetismo”. Destacando os elevados índices de reprovação em São Paulo, ele
propõe um “novo tipo de escola alfabetizante” sugerindo “promover do primeiro
para o segundo período todos os alunos que tiverem tido o benefício de um ano
escolar, só podendo os atrasados repetir o ano, se não houver candidatos aos
lugares que ficariam ocupados”. Em decorrência da proposta de promoção
automática, Sampaio Dória prevê outras medidas: simplificar o programa,
gratificar professores por aluno promovido e constituir classes especiais com
os atrasados e defende sua proposta afirmando que “a razão dessa proposta se deve
ao fato de que numerosas crianças não conseguem vagas nas escolas afirmando que
“não se deve deixar de ensinar aos melhores, aos normais só porque os alunos
atrasados ficam reprovados, impedindo que se abram novas vagas”.
De certa forma o pensamento de
Sampaio Dória mesmo que sob uma ótica diferente ainda se encontra dentro do
cotidiano das escolas, pois como afirma Maria Helena de Souza Patto. “A escola
pública falha na sua tarefa básica de alfabetização das crianças das camadas
populares, excluindo-as precocemente de seu interior, através de mecanismos de
rejeição que opera duplamente, pois a escola não aceita a criança como ela é, e
a criança não aceita a escola tal qual ela funciona”.
No Período Desenvolvimentista
– nos anos de 1950 nas Recomendações da Conferência Regional Latino-Americana
sobre Educação Primária Gratuita e Obrigatória”, promovida pela (UNESCO); o
documento editado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1956.
reconhece a ampliação da educação primária e que repetência escolar causa um grande
prejuízo financeiro e como sugestão propõe a revisão do sistema de promoções na
escola primária, com o fim de torná-lo menos seletivo.
Mais recentemente, essa
discussão tem envolvido acordos internacionais – como o que aconteceu na
Conferência Internacional de Jomtien (1990), baseada no ideário de uma educação
para todos e promovida pela UNESCO, PNUD, UNICEF e BID – e políticas que têm
tido por base a avaliação de larga escala, inclusive com a implementação de
sistemas de avaliação de dimensões internacionais, como o PISA (Programme for
International Student Assessment), do qual o Brasil faz parte.
Como podemos observar, a
discussão sobre aprovação automática não é nova e sempre teve o dedo de
organismos internacionais mais preocupados com a questão econômica e o mercado
financeiro. Neste contexto observamos que o que tem comandado as orientações
governamentais em relação aos sistemas educacionais, a partir dos anos de 1990,
apesar da ênfase no discurso da “educação para todos”, as instituições
educacionais se expandiram na rede privada tornando-se uma oportunidade de
negócios dentro da competitividade econômica, buscando a formação de uma
mentalidade que atendesse às necessidades “da flexibilidade e da
performatividade, próprias das formas contemporâneas de organização dos
sistemas econômicos e políticos”.
Por outro lado, o Estado,
através do discurso da qualidade e da eficiência refletido nos resultados e
níveis de desempenho escolar observados através de provas e testes está impondo
uma nova cultura institucional, novos perfis de atuação, novas subjetividades.
“Santos (2004), nessa mesma
linha de análise, fala, então, de uma cultura do desempenho, regida por uma
nova lógica – tecnicista e utilitarista – da administração escolar e que se
utiliza de tecnologias de auditoria, centradas em um sistema de testes e de
inspeção. A proposta não é nova; tem sido retomada em diversas políticas de
mudança no sistema de avaliação; está relacionada ao interesse de diminuir a
retenção dos/as alunos/as da educação básica e os prejuízos financeiros daí
advindos.
Mesmo com toda a polêmica em
torno dele ainda assim o assunto possibilitou a necessidade de se discutir a
modificação dos métodos de trabalho pedagógico levando em conta o atendimento e
a heterogeneidade dos/as alunos/as de cada classe.
Nestas novas políticas existem
os desafios das diferenças entre os/as alunos/as e o volume de responsabilidade
que trabalho traz o/a professor/a, pois no momento em que aceitamos a
existência de diferentes interesses, estilos e ritmos de aprendizagem
precisamos pensar e organizar espaços e formas de trabalho que levem em conta
estas diferenças e esta não é uma tarefa fácil para os/as professores/as, pois
como Ball (1997) lembra muito bem “as diferentes políticas educacionais não
estabelecem como executar aquilo que propõem e, por isso, elas terão que ter,
necessariamente, uma solução localizada no fazer pedagógico”. Para que isto se
torne possível é preciso levar em conta também as experiências acumuladas
pelos/as docentes no dia a dia das escolas.
A atual medida tomada pelo
governo do estado de acabar com a Aprovação Automática neste momento, ignora a
necessidade de se trabalhar com os/as alunos/as em sua integralidade, tratando
precocemente os problemas desde o início sem esperar que estes alcancem a
oitava série, onde o nível de dificuldades somadas durante os oito anos do
Ensino Fundamental se torna algo difícil de ser superado.
Neste modelo, não poderão ser
reprovados alunos nos dois primeiros anos, pois são considerados ciclos de
alfabetização, e para não reter o aluno dois anos consecutivos, não existe
reprovação no 4º ano. Já os alunos do 3º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º ano poderão ser
reprovados. Sendo assim, os estudantes que hoje estão no 8º ano, no caso de
reprovação, teriam que cursar 2 anos a mais para chegar ao ensino médio.
Diante disto e como
profissionais que somos sabemos que as turmas nunca são heterogêneas, em todas
elas encontraremos crianças com diferentes níveis de cognição e retenção de
conhecimento e é imperativo que isto seja respeitado. Não aceitamos que o
governo apresente um projeto que não contemple o todo, defendemos que se faça o
que é feito na Finlândia onde o atendimento se dá no momento em que a criança
inicia o processo escolar. Não aceitaremos também a justificativa de
indisponibilidade financeira para aplicar um programa de qualidade, a sociedade
merece respeito e boa aplicação dos impostos pagos.
Alertamos também para o fato
de que a mesma empresa que assessorou o Rio de Janeiro na implementação do
Programa meritocrático nas escolas Municipais, também presta assessoria para o
estado de Santa Catarina e em 2009, quando o atual prefeito – Eduardo Paes –
tomou posse, uma de suas primeiras resoluções foi abolir a aprovação automática
no 2º e 3º Ciclos de Formação colocando em suspenso o 2º e o 3º Ciclos de
Formação pela eliminação da aprovação automática nessas duas etapas do Ensino
Fundamental, e agora o governo do estado de SC adota uma medida semelhante
entendemos que não é mera coincidência.
DIRETORIA EXECUTIVA DO
SINTE/SC
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